Fauda: Pró-Israel ou Pró-Palestina?

Em tempos de guerra no oriente médio (ou seria massacre?), recomecei a assistir à série Fauda, disponível na Netflix. Iniciei e parei de acompanhar a referida obra ainda durante os tempos da pandemia e, agora, enfim, voltei e a terminei.

É muito interessante assistir a uma produção do oriente médio, ainda que esta, especificamente, apresente ritmo e estrutura bem semelhantes às hollywoodianas. Apesar disso, podemos conhecer as paisagens urbanas, as vestimentas, costumes e outras características da região envolvida na trama, o que já vale a pena a experiência. Além disso, se observamos com um olhar mais crítico, é possível entender algumas nuances do conflito Israel-Palestina, que não podemos compreender apenas com os telejornais e as redes sociais.

A palavra “Fauda”, de acordo com o google, vem do árabe e significa “caos” ou “confusão”. E expressa muito bem a vida dos personagens principais, agentes de uma unidade de elite das forças israelenses. O protagonista, Doron, interpretado por Lior Raz, que é também criador da série, é, de longe, o que tem a vida particular mais afetada pelo seu trabalho na unidade. Se podemos chamar o que ele faz, assim.

Com extrema dificuldade em seguir ordens, ele possui, ao mesmo tempo, extrema facilidade em agir como infiltrado entre os palestinos e suas famílias. Falando árabe impecavelmente e conhecendo nos detalhes os ritos muçulmanos, ele se aproxima de pessoas, ganha a confiança e vive entre elas como um amigo. Inclusive, se envolvendo amorosamente com algumas. Porém, ele sempre acaba agindo impulsivamente e acabando com tudo, sendo muito cobrado por seus superiores. Apesar disso, é tratado como a pessoa mais importante da unidade.

Em um primeiro momento, a série pode ser lida como uma propaganda pró-Israel. Mas, com um olhar mais crítico, também é possível chegar a uma conclusão contrária. Ainda que, quem sabe, seus autores não tenham pensado nisso.

Na primeira temporada, Doron se infiltra com seus colegas em uma festa de casamento de um irmão de um líder do Hamas. Irmão que não participava das ações do movimento e não tinha cometido, até então, nenhum crime. Doron acaba agindo impulsivamente, tomando a arma de um segurança e iniciando o caos na festa. No fim, um de seus colegas acaba assassinando esse irmão e, assim, dando início a uma espiral de vingança que vai culminar no final da temporada.

Assim, como o próprio estado de Israel, os agentes de segurança têm dificuldade de seguir normas. Seus métodos incluem violação de residências, sequestro de crianças e tortura. Em uma cena, encharcam com combustível um preso e ameaçam queimá-lo vivo durante um interrogatório clandestino. Detalhe: o preso havia sido capturado ilegalmente de uma viatura do sistema penitenciário que o estava conduzindo para algum outro lugar. Em outra, desobedecendo ordens superiores, detêm um homem e ameaçam com enterrá-lo vivo para que fale.

Suas ações cruéis são sempre justificadas na trama com o fato de estarem tentando libertar amigos. Porém, esses amigos, se você prestar atenção, são sempre capturados devido a uma ação malsucedida dos próprios israelenses. Desencadeada pela velha sanha de desobedecer a regras e normas, criadas por eles mesmos. 

Em uma das temporadas, o cenário da ação é Gaza. Essa mesma, que vemos transformada em ruínas nos telejornais. Mas, na série, ela ainda exibe sua alta densidade de prédios, intactos, com o mar mediterrâneo ao fundo. Revelando uma beleza desconhecida para nós.

Gaza, para os israelenses, é um lugar “horrível”, “sujo” e “fedorento”. Os personagens sempre repetem expressões como essas, em diversos momentos. A luz e a água encanada, por exemplo, são cortadas várias vezes ao dia. E quem tem o poder de conceder ou não esses bens de necessidade básica aos palestinos é o estado de Israel. Fica a pergunta, quem transformou Gaza em um lugar horrível?

 Para se ter uma ideia de como os palestinos são vistos pelos israelenses, ao menos os das forças de segurança, há um momento em que um atirador de elite acaba matando, acidentalmente, um soldado das Forças de Defesa de Israel. Esse fato o leva à depressão. É marcante uma de suas falas: “matei uma pessoa”. Ou seja, as dezenas de palestinos que ele matara, até então, não haviam provocado crise de consciência no personagem. É um próprio colega seu que o lembra de que todos que os que ele já havia matado antes também eram pessoas.

Outro aspecto muito comentado acerca do suposto “progressismo” da sociedade israelense é observado na série. Em certa hora, uma agente da unidade de forças especiais engravida. Com isso, ela entre em crise, pois teme que a gravidez inviabilize sua carreira, que se encontra em um ótimo momento. Se podemos dizer assim. Dessa forma, ela pensa seriamente em abortar o feto e, depois de tentar esconder o fato do marido, acaba confessando a ele. Após um tempo pensando no assunto, o marido, outro agente de segurança, termina deixando a esposa livre para fazer sua decisão, sem pressão, sem ressentimentos. Evidenciando, talvez, que a questão do aborto não é um grande tabu em Israel. O que poderia levar evangélicos e bolsonaristas a se decepcionarem com o país, tão querido por eles.

Outro momento destes se passa na quarta temporada, quando as forças especiais capturam um suspeito de fazer parte do Hezbollah. O homem, levado a uma instalação militar para interrogatório, é pressionado a falar sob a ameaça de ter sua homossexualidade revelada ao grupo militante libanês. O que poderia colocá-lo em maus lençóis. Uma hora, a interrogadora argumenta que o namorado dele já está preso e que, para não ser morto dentro da prisão, teve que pedir ajuda para quem? Para as próprias forças de Israel. Revelando assim, uma suposta tolerância à diversidade sexual.

Enfim, sem estender demasiadamente este texto, a série revela diversas nuances sobre o conflito e as sociedades árabes e israelenses e precisa ser assistida com um olhar crítico, além de um estômago de aço.

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