FORJA DE ESPAÇOS – A Geografia de um videogame

Videogames e ensino

Neste post abordo o uso de outra linguagem no ensino de Geografia. Assim como, em décadas passadas, as Histórias em Quadrinhos eram vistas com desconfiança nos meios acadêmicos e escolares. Acredito que hoje esse papel cabe aos videogames. Porém, esse quadro parece começar a mudar.

A contribuição dos jogos eletrônicos para o ensino é um tema crescente no meio acadêmico, com uma rápida pesquisa pela internet, já é possível encontrar alguns trabalhos dedicados a esse assunto. Existem experiências do uso do jogo simcity em aulas de planejamento urbano1 no Brasil, ou do jogo Civilization como ferramenta para o ensino de História2 nos Estados Unidos, para ficar só com dois exemplos. Me parece que essa é uma discussão que já vem tarde. Quem é professor percebe facilmente o fascínio que essas mídias exercem sobre nossa juventude e, nesses tempos em que a tecnologia é cada vez mais acessível e portátil, a sala de aula acaba se tornando, também, lugar para a prática desses jogos, gerando, assim, mais uma fonte de conflitos entre professor e alunos. O primeiro, interessado em exercer seu trabalho e desenvolver seu conteúdo programático, o segundo, distraído por uma atividade mais dinâmica e entretenedora.

Acredito que devemos voltar nossa atenção para essa realidade e procurar entender como podemos tirar proveito dela. São cada vez mais variadas as plataformas e modos de jogar os videogames. No celular, nos computadores domésticos, em consoles, comprando jogos gravados em mídias, baixando os jogos ou, ainda, jogando on-line. Essa última forma de jogar têm crescido muito nos últimos tempos. Em uma rápida busca pela internet se encontra vários sites destinados a esse fim, alguns se dedicam a apenas um tipo de jogo, outros disponibilizam diferentes jogos. Alguns desses jogos, penso terem potencial para apoiar o ensino de Geografia e possuem a facilidade de poderem ser acessados em qualquer computador que tenha conexão com a internet, portanto, se essa for a realidade na sua escola, você pode desenvolver alguma atividade nesse sentido.

Alguns sites disponibilizam jogos diretamente envolvidos com o conteúdo de Geografia, como jogos-geograficos.com ou geografia7.com. Neles, se pode encontrar atividades com mapas, brincadeiras para memorizar localização de países e bandeiras, jogos para conhecer orientação pelos pontos cardeais e colaterais, localização com coordenadas geográficas, etc. Para se fazer uma atividade lúdica, para momentos mais descontraídos, são uma boa dica. Outros sites podem servir de forma mais indireta, digamos. São aqueles com jogos do tipo estratégicos, alguns títulos seriam Tribal Wars, Clash of Kings, Game of War, etc. Em um desses jogos, me detenho, atualmente, com mais atenção, trata-se do jogo Forge of Empires, ou FoE para os mais íntimos. Tenho jogado esse jogo e analisado suas potencialidades para o ensino, além de algumas ideias que identifico fazerem parte do discurso do jogo. No entanto, ficarei devendo um relato de experiência em sala de aula com essa ferramenta, espero o mais breve possível realizar essa empreitada.

Forjando espaços

Acredito que esse jogo trás duas abordagens. A primeira delas pode ter uma relação, digamos, mais direta com o conteúdo geográfico. Como em muitos jogos do tipo, o FoE consiste na construção de um império, desde uma pequena vila da idade da pedra (o jogo é dividido em etapas baseadas em uma linha histórica criada por ele) até uma grande cidade do futuro (a última etapa do jogo é o que ele chama de “futuro ártico). Durante o desenvolvimento da sua cidade, o jogador tem que organizar seus prédios e caminhos. Caso um prédio fique longe de uma estrada, ele não funcionará, quer dizer, não produzirá nem moedas, nem mantimentos ou mercadorias. Portanto, é importante pensar como as coisas ficarão dispostas no espaço antes de começar a construir. Lembrei de Milton Santos e da interação entre os “fixos” e “fluxos” que fazem parte do espaço geográfico. As estradas escoando a produção, abastecendo as cidades, transformando a paisagem. Essa dimensão do jogo pode ser bem ilustrativa dessa discussão. A única coisa a se observar em relação a isso é que, para o jogo, os recursos são inesgotáveis, as pedreiras sempre produzirão pedras eternamente, as madeireiras também e etc. O ambiente do jogo não sofre alterações quanto a esse aspecto, mesmo porque isso não deve ser essa a preocupação dos idealizadores do FoE. Uma coisa importante para o jogador são as casas residenciais, elas fornecem moedas, com as quais ele pode pagar os custos da produção, o treinamento de soldados, etc. Essas casas nunca cessam seu fornecimento, as da idade da pedra produzem uma certa quantidade, que vai aumentando conforme se avança nas etapas (eras) do jogo. O que exemplifica, de certo modo, o que representamos nós, em nossas casas, para quem governa ou administra as cidades, somos fornecedores de moedas, mas através dos impostos. A diferença é que nossa capacidade de fornecer não é ilimitada, ainda que governantes pensem ao contrário. Olhando por esse ponto-de-vista, no FoE subjaz a mesma ideia que é possível ser percebida no modo de atuar do sistema capitalista, a de que a natureza, considerada como fonte de recursos, é inesgotável. Aí entra a segunda abordagem.

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Uma cidade dos “Finais da Idade Média”, uma das eras do FoE.

A lógica do jogo é implacável. Você tem que crescer, aumentar sua cidades, construir mais prédios, avançar nas pesquisas de tecnologias, avançar nas eras, faz parte da sua jogabilidade. Não é possível permanecer numa era, plantar árvores, etc. Quando comecei a jogar, queria dar ênfase para os prédios de lazer, os jardins e monumentos, mas para se continuar jogando, é preciso ter mais habitantes, então vem a necessidade de construir mais residências, ampliar a área da cidade e assim por diante. O jogo como um todo pode ser uma metáfora da sociedade capitalista industrial e o seu chamado “desenvolvimento”, que muitas vezes é considerada a única forma de expressar a história da humanidade. A autora britânica Doreen Massey, sobre a qual já escrevi aqui no blog (para ler, clique aqui), argumenta que essa proposta de desenvolvimento industrial capitalista se coloca como a única opção existente de futuro. Faz com que algumas partes do mundo estejam “atrasadas” e outras “avançadas” em relação a esse chamado desenvolvimento. Quer dizer, assim como no jogo, o futuro está fechado, só há um horizonte que é o do crescimento econômico, expansão industrial, das cidades. Analisando um outro videogame, Massarani fala de outro aspecto desses jogos, é o “Evolucionismo cultural”. Uma abordagem antropológico que não é mais vigente nos mais acadêmicos, mas que continua viva no imaginário das pessoas. É aquela que defende que a humanidade segue uma mesma linha “evolucionária”, dos ditos povos “selvagens” e “tribais” até as modernas sociedades tecnológicas, não deixando margem para outros caminhos. Acredito que essas problematizações todas auxiliriam em uma possível discussão em sala de aula.

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Cidade da Idade do Ferro, outra era FoE.

Considerações finais

Abordei alguns aspectos desse jogo, mas de modo algum esse assunto está esgotado, restando ainda muito a ser discutido e explorado. Fica como dica o cuidado para não levar os alunos a um possível vício pelo jogo, caso se trabalhe com ele em aula. Pois é muito fácil cair nessa tentação, eu ficava pensando na minha produção ou no treinamento dos soldados, enquanto não estava jogando. Além disso, se você quiser avançar mais rápido no jogo, queimando etapas, os adiministradores do FoE disponibilizam isso mediante pagamento, através do uso de cartão crédito. Mas é possível jogar o jogo todo sem gastar dinheiro, basta ter paciência.

Acredito que os videogames hoje talvez tenham substituido o papel que os Quadrinhos exerciam na juventude no passado, por isso é preciso mais atenção de pesquisadores e educadores sobre essa linguagem. É necessário não só pesquisar sua utilização como ferramenta para auxiliar na aprendizagem dos alunos, mas também os discursos inerentes em cada uma dessas linguagens.